terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Arthur Schopenhauer



Arthur Schopenhauer (Danzig, 22 de fevereiro de 1788 — Frankfurt, 21 de setembro de 1860) foi um filósofo alemão do século XIX.
Seu pensamento sobre o amor é caracterizado por não se encaixar em nenhum dos grandes sistemas de sua época. Sua obra principal é "O mundo como vontade e representação" (1819), embora o seu livro "Parerga e Paralipomena" (1851) seja o mais conhecido. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. A influência oriental em sua filosofia o fez aceitar o ateísmo. Ficou vulgarmente conhecido por seu pessimismo e entendia o budismo (e a essência da mensagem cristã, bem como o essencial da maior parte das culturas religiosas de todos os povos em todos os tempos) como uma confirmação dessa visão realista-pessimista. Schopenhauer também combateu fortemente a filosofia hegeliana e influenciou fortemente o pensamento de Eduard von Hartmann e Friedrich Nietzsche.
Schopenhauer acreditava no amor como meta na vida, mas não acreditava que ele tinha a ver com a felicidade.
O pensamento de Schopenhauer parte de uma interpretação de alguns pressupostos da filosofia kantiana, em especial de sua concepção de fenômeno. Esta noção leva Schopenhauer a postular que o mundo não é mais que representação. Esta conta com dois polos inseparáveis: por um lado, o objeto, constituído a partir de espaço, tempo e o princípio de causalidade; por outro, a consciência íntima e subjetiva acerca do mundo, sem a qual este não existiria. Contudo, Schopenhauer rompe com Kant, uma vez que este afirma a impossibilidade da consciência alcançar a coisa-em-si, isto é, a realidade não fenomênica. Segundo Schopenhauer, ao tomar consciência de si em nível radical, o homem se experiencia como um ser movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade da vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana.
Voltando o olhar para a natureza, o filósofo percebe, analogicamente, esta mesma vontade presente em todos os seres, figurando como fundamento de todo e qualquer movimento (muito embora Schopenhauer trabalhar com o conceito de vontade metaforicamente, no sentido de que, dentre todos os fenômenos, o fenômeno da vontade é o que mais se aproxima e melhor representa a natureza da coisa-em-si). Portanto, para Schopenhauer, a vontade como que corresponde à coisa-em-si, sendo, deste modo, como que o substrato último de toda realidade minimamente experienciável (e minimamente experienciável porque, aos olhos de Schopenhauer, a vontade, rigorosamente falando, não possui status metafísico no sentido clássico de algo situado além e fora da experiência, mas sim, poder-se-ia dizer, uma espécie de status "introfísico", na medida em que é a experiência mais imediata, profunda, radical e íntima do mundo, primeiramente sendo percebida de forma direta por nós em nós mesmos compreendidos como "complexo intelecto-corporal" e, depois, suposta analogicamente, isto é, indiretamente, nos demais corpos/objetos). De se ver, assim, o princípio ontológico basilar dessa concepção schopenhaueriana, a saber, "o postulado da uniformidade da natureza em dimensão não fenomênica".
O impulso do desejo não se dá de forma consciente: ele, ao contrário, se desdobra desde o inorgânico até o homem, que deseja sua preservação. A consciência humana seria uma mera superfície, tendendo a encobrir, ao conferir causalidade a seus atos e ao próprio mundo, a irracionalidade inerente à vontade. Sendo deste modo compreendida, ela constitui, igualmente, a causa de todo sofrimento, uma vez que lança os entes em uma cadeia perpétua de aspirações sem fim, provocando a dor de ser algo que jamais consegue completar-se. Daí a nota pessimista consequente no pensamento de Schopenhauer: o prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor; esta, por sua vez, é a única e verdadeira realidade.
Contudo, há alguns caminhos (estéticos) que possibilitam ao homem escapar da vontade, e assim, da dor que ela acarreta. A primeira via é a da arte. Schopenhauer traça uma hierarquia presente nas manifestações artísticas na qual cada modalidade artística, ao nos lançar em uma pura contemplação de ideias, nos apresenta um grau de "objetidade" da vontade. Partindo da arquitetura como seu grau inferior, ao mostrar a resistência e as forças intrínsecas presentes na matéria, o último patamar desta contemplação reside na experiência musical; a música, por ser independente de toda imagem externa, é capaz de, se não nos apresentar, pelo menos nos aproximar da pura Vontade em seus movimentos próprios; a música é, pois, de certa forma, a própria vontade encarnada. Tal contemplação, trazendo a vontade para diante de nós, consegue nos livrar, momentaneamente, de seus liames. Mas a arte representa apenas um paliativo para o sofrimento humano.
Uma outra possibilidade de escape, conquanto indireta, é apontada através da moral. A conduta humana deve voltar-se para a superação do egoísmo; este, muito basicamente, provém da ilusão de individuação, pela qual um indivíduo deseja, constantemente, suplantar os outros. A compreensão da vontade faz aparecer todos os entes desde seu caráter único, o que leva, necessariamente, a um sentimento de compaixão e a uma prática de justiça e caridade - o que não significa que, para Schopenhauer, a moralidade seja, no primário e essencialmente (tal qual a arte e a ascese), "uma via para a felicidade pessoal": apenas que, praticando-a, indiretamente o agente termina por fruir a dita felicidade entendida em termos de anulação do egoísmo; significa dizer que, pelo menos no âmbito da moralidade, a felicidade própria (seja a de base egoísta ordinária, seja a de base contemplativa) não é a razão de ser ou o motivo premente e imediato da ação do agente, embora este lograr afastar, mediante a prática moral, mesmo que por curto período de tempo, o sofrimento ligado ao querer egoísta.
Finalmente, a suprema felicidade somente pode ser conseguida pela anulação da vontade (isto é, pela ascese). Tal anulação é encontrada por Schopenhauer no misticismo hindu, particularmente no budismo; a experiência do nirvana constitui a aniquilação desta vontade última, o desejo de viver. Somente neste estado, o homem alcança a única felicidade real e estável. Contudo, reveste-se de suma importância frisar o objeto dessa via ascética, seja ele, a felicidade de tipo contemplativa ou a bem-aventurança, uma vez que o ascetismo relacionado ao escopo da felicidade não pode ser visto, nos quadros da filosofia schopenhaueriana, como algum tipo de nível ou momento da experiência moral (já que o valor moral das ações, para Schopenhauer, está, justamente, no desinteresse pessoal em prol do interesse alheio, vale dizer, no não se preocupar, ao menos em linha de princípio, com a felicidade própria, mas com a felicidade do outro) e sim como o caminho mais seguro para quem pretende ter e gozar uma felicidade não tão instável como aquela radicada na satisfação dos desejos e das necessidades. Numa palavra, na satisfação da vontade material. Portanto, por mais que Schopenhauer não tenha colocado a questão nesses termos, o ascetismo (do modo como ele o concebe) está mais para um tipo de "eudaimonismo espiritual" do que para um "grau da vida moral", por continuar sendo um ideal comprometido com a busca da "felicidade", da "bem-aventurança".
A felicidade pela via da satisfação é (para o indivíduo consciente que pensa e diagnostica sua condição existencial) insustentável, porquanto a vontade é insaciável; se assim for, somente uma outra via que não a da satisfação pode nos levar a uma felicidade menos frustrante. A via constatada por Schopenhauer, naturalmente, é a oposta, ou seja, a da negação da vontade, traduzida em termos de conhecimento liberto dos grilhões da vontade egoísta, portanto um conhecimento não mais a serviço da vontade, donde o esteticismo schopenhaueriano, pois todo conhecimento que não tem por finalidade atender às demandas do egoísmo faz-se contemplativo, dado que limita-se a assistir à vida, seja do ponto de vista da arte (criação e/ou contemplação do belo), da moral (contemplação da igualdade fundamental que subjaz a tudo e, consequentemente, a consciência do respeito pelo outro por sabê-lo um igual) ou da ascese (abstenção completa da vontade material de vida, intelectualizando-se e espiritualizando-se).
Uma outra via para a felicidade sustentável ainda é possível entrever na obra de Schopenhauer e merece crédito por haver sido, a julgar pela aparência, atestada pelo próprio estilo de vida do filósofo. Trata-se da via da "perfeição" ou da "vida integral" (a qual, diga-se de passagem, remonta à Antiguidade, não sendo, portanto, uma novidade introduzida por Schopenhauer). Com efeito, nesta, a felicidade não é vista em termos de "estado" de quietude (nirvana), tampouco em termos de "momento" (satisfação). Diferentemente, toma-se a bem-aventurança em termos de "atividade", voltada ao trabalho e ao aperfeiçoamento das potencialidades humanas mais nobres, como as de caráter estético, teorético e ético - sem prejuízo da valorização da prudência para com os negócios práticos do dia a dia, do bem-estar e dos prazeres saudáveis ligados ao corpo. Há quem diga que a ausência expressa dessa modalidade na tela das ideias de Schopenhauer pode ter tido, por motivação, certa convicção arraigada do filósofo quanto à raridade do tipo aspirante à perfeição, não se dando o filósofo, pois, ao trabalho de teorizar e tampouco prescrever a via em questão (inobstante o testemunho de sua vida pessoal a favor dessa tese, a qual poderia ser vista como uma espécie de meio-termo entre a via da afirmação alienada da vida e a da negação desesperada).
Assente isso, faz-se compreensível a brincadeira de Alain de Botton (a propósito de uma série de tevê realizada por ele sobre o tema do amor do modo como pensado por Schopenhauer) a respeito de ter sido o filósofo (comumente tido por pessimista), talvez, o homem mais feliz do mundo. De fato, a crer em seus biógrafos, Schopenhauer foi um homem saudável durante praticamente toda a sua vida, relativamente rico, dotado de extraordinária inteligência (tanto teorética quanto prática), sensibilidade estética refinada e razoável disposição moral, o que o coloca bem próximo, pois, do arquétipo do homem saudável e economicamente independente (ou seja, digno) de um lado (o da sobrevivência) e teorético, esteta e político-moral de outro (o da existência, isto é, da cultura), o que remeteria à perspectiva da perfeição ou da integralidade a aristotélica e epicurista-tardia.
Acentua-se, ainda, o valor das meditações críticas de Schopenhauer sobre a problemática da liberdade e da necessidade, máxime no campo da ética (moral e direito). De maneira bastante sucinta, diga-se que, para Schopenhauer, não há falar em liberdade (no sentido de livre-arbítrio), por ser o homem tão determinado como todos os demais seres, repousando a ilusão da liberdade no fato da natureza fluida do "conhecimento (conjunto de representações)", não na natureza do "querer", bem como na ignorância quanto à maneira peculiar e complexa do princípio da causalidade próprio à espécie humana.
A filosofia de Schopenhauer influenciou marcadamente vários pensadores, entre os quais destacam-se: Eduard von Hartmann, Nietzsche, Hartmann, Simmel, Thomas Mann, Bergson e Freud.

Principais obras

As Dores do Mundo
Sobre a Raiz Quádrupla do Princípio da Razão Suficiente (1813)
Sobre a Visão e as Cores (1815)
O Mundo como Vontade e Representação (1819)
Sobre a Vontade da Natureza (1836)
Os Dois Problemas Fundamentais da Ética (1841)
Parerga e Paralipomena (1851)
Metafísica do Amor/Metafísica da Morte
A Arte de se Fazer Respeitar
A Arte de Insultar
Sobre o Ofício do Escritor
A Arte de Ter Razão ou Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão
A Arte de Ser Feliz
A Arte de Lidar com as Mulheres
Aforismos para a Sabedoria de Vida
Sobre a Vida Universitária
Sobre o Fundamento da Moral
O Livre Arbítrio (Pela Academia Real)

Contexto filosófico e cultural

Filho de Heinrich Floris Schopenhauer, comerciante da cidade de Danzig, na Prússia (atualmente Gdansk, na Polônia), o filósofo Arthur Schopenhauer estava destinado a seguir a profissão de seu pai. Por isso, a família nunca se preocupou muito com sua educação intelectual e, quando contava apenas doze anos de idade, em 1800, induziu-o a empreender uma série de viagens importantes para um futuro comerciante. Schopenhauer percorreu a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Holanda, a Suíça, a Silésia e a Áustria. Mas seu interesse não foi despertado por aquilo que seu pai mais desejava: o que fez de mais importante, durante essas viagens, foi redigir uma série de considerações melancólicas e pessimistas sobre a miséria da condição humana. Em abril de 1804, visitou o arsenal de Toulon, onde teve contato com os condenados às galés. Ele registrou em seu diário suas impressões sobre essa visita, que o marcou profundamente. Em 1805, a família fixou-se em Hamburgo e o obrigou a cursar uma escola comercial. A morte do pai (presumivelmente cometeu suicídio) permitiu-lhe, contudo, abandonar para sempre os estudos comerciais e voltar-se para uma carreira universitária, como era seu desejo. Assim, Schopenhauer passou a dedicar-se aos estudos humanísticos, ingressando no Liceu de Weimar em 1807; dois anos depois, encontrava-se na faculdade de medicina de Göttingen, onde adquiriu vastos conhecimentos científicos.
Em 1811, na Universidade de Berlim, assistiu aos cursos dos filósofos Schleiermacher (1768-1834) e Fichte (1762-1814). Este último seria, mais tarde, acusado por Schopenhauer de ter deliberadamente caricaturado a filosofia de Kant (1724-1804), tentando “envolver o povo alemão com a neblina filosófica”. Em 1813, Schopenhauer doutourou-se pela Universidade de Berlim com a tese Sobre a Quádrupla Raiz do Princípio de Razão Suficiente.
Nessa época, sua mãe, Johanna Schopenhauer, estabeleceu-se em Weimar, onde começou a obter progressivo sucesso como novelista e passou a freqüentar os círculos mundanos que Schopenhauer detestava e se esforçava por ridicularizar ao máximo. As relações entre os dois deterioraram-se a ponto de Johanna declarar publicamente que a tese de seu filho não passava de um tratado de farmácia; em contrapartida, Schopenhauer afirmava ser incerto o futuro de sua mãe como romancista e que ela somente seria lembrada no futuro pelo fato de ser sua progenitora.
Apesar dessas brigas, Schopenhauer freqüentou durante algum tempo o salão de sua mãe. Ali tornou-se amigo de Goethe (1749-1832), que reconhecia seu gênio filosófico e sugeriu-lhe que trabalhasse numa teoria antinewtoniana da visão. A partir dessa sugestão, Schopenhauer escreveu Sobre a Visão e as Cores, publicado em 1816.
Em 1814, Schopenhauer rompeu definitivamente com a família e, quatro anos depois, concluiu sua principal obra, O Mundo como Vontade e Representação. Em 1819, o livro foi publicado, mas, um ano e meio após, haviam sido vendidos apenas cerca de 100 exemplares. A crítica também não foi favorável à obra.
Durante os anos de 1818 e 1819, Schopenhauer passou uma temporada na Itália: ao voltar, sua situação econômica não era das melhores. Solicitou então um posto de monitor na Universidade de Berlim, valendo-se de seu título de doutor e passando por uma prova que consistia numa conferência. Admitido em 1820, encarregou-se de um curso intitulado A Filosofia Inteira, ou O Ensino do Mundo e do Espírito Humano. O título do curso devia-se, provavelmente, a Hegel (1770-1831), que na época era um dos mais reputados professores da Universidade de Berlim. Tentando competir com Hegel, Schopenhauer escolheu o mesmo horário utilizado pelo rival, mas a tentativa redundou em fracasso completo: apenas quatro ouvintes assistiam a suas aulas. Ao fim de um semestre, renunciou à universidade.
Em 1821, envolveu-se em um acidente que teve desagradáveis consequências econômicas e, sobretudo, viria causar-lhe periódica crise de depressão psicológica. Nessa época, o filósofo residia numa pensão, cujos principais locatários, em sua grande maioria, eram senhoritas de idade avançada. Essas pensionistas tinham o desagradável hábito de espionar a chegada de supostas amantes, recebidas por Schopenhauer em seus aposentos. Certa noite, quando uma costureira chamada Caroline-Louise Marquet dedicava-se a esse mister, Schopenhauer, perdendo a paciência, atirou-a escada abaixo. Como resultado, foi processado e acabou sendo condenado a pagar trezentos thalers de despesas médicas. Além disso, ficava obrigado a pagar sessenta thalers anuais, até a morte de Caroline, que somente veio a falecer vinte anos depois. Durante todo esse tempo, Schopenhauer entrava em depressão nervosa, uma vez por ano, todas as vezes que era obrigado a pagar a pensão. Sua revolta dizia respeito menos à quantia desembolsada do que àquilo que sentia como injustiça cometida pelas autoridades.
Entre 1826 e 1833, Schopenhauer empreendeu frequentes viagens, adoeceu por diversas vezes e tentou uma segunda experiência como professor da Universidade de Berlim. Foi mais uma tentativa fracassada, somente contrabalançada pela crítica elogiosa a seu O Mundo como Vontade e Representação, publicada no periódico Kleine Bücherschau.
Em 1833, depois de muitas hesitações, o filósofo resolveu fixar-se em Frankfurt, onde permanecera até sua morte em 1860. Durante os vinte e sete anos que passou na cidade, levou uma vida solitária, acompanhado por seu cão. Sua predileção por animais era filosoficamente justificada; segundo Schopenhauer, entre os cães, contrariamente ao que ocorre entre os homens, a vontade não é dissimulada pela máscara do pensamento.
Dedicado exclusivamente à reflexão filosófica, Schopenhauer trabalhou intensamente em Frankfurt, redigindo e publicando diversos livros. Em 1836, veio a lume o ensaio Sobre a Vontade na Natureza, que deveria completar o segundo livro de O Mundo como Vontade e Representação. Na mesma época, redigiu também dois ensaios sobre moral. O primeiro, escrito para concorrer a um concurso da Academia de Ciências de Trondheim (Noruega), intitula-se Sobre a Liberdade da Vontade. O segundo, O Fundamento da Moral, concorreu ao concurso da Academia de Copenhague e continha verdadeiros insultos a Hegel e a Fichte, que provocaram escândalo; embora fosse o único concorrente, o livro não foi premiado. Posteriormente, os dois ensaios seriam reunidos sob o título de Os Dois Problemas Fundamentais da Ética e publicados em 1841. Três anos depois, surgiu a segunda edição de O Mundo como Vontade e Representação, enriquecida com alguns suplementos. Apesar disso, não teve sucesso.
O mesmo não ocorreu com a última obra escrita e publicada por Schopenhauer. Intitulava-se Parerga e Paralipomena e continha pequenos ensaios sobre os mais diversos temas: política, moral, literatura, filosofia, estilo e metafísica, entre outros. A obra alcançou inesperado sucesso, logo depois de ser publicada em 1851. A partir daí, a notoriedade do autor espalhou-se pela Alemanha e depois pela Europa. Um artigo de Oxford, publicado na Inglaterra, deu início à grande difusão de sua filosofia. Na França, muitos filósofos e escritores viajaram até Frankfurt para visitá-lo. Na Alemanha, a filosofia de Hegel entrou em declínio e Schopenhauer surgiu como ídolo das novas gerações.
Assim, os últimos anos da vida de Schopenhauer proporcionaram-lhe um reconhecimento que ele sempre buscou. Artigos críticos surgiram em grande quantidade nos principais periódicos da época. A Universidade de Breslau dedicou cursos à análise de sua obra e a Academia Real de Ciências de Berlim propôs-lhe o título de membro, em 1858, que ele recusou.
Dois anos depois, a 21 de setembro de 1860, Arthur Schopenhauer, que Nietzsche (1844 – 1900) chamaria "o cavaleiro solitário", faleceu, vítima de pneumonia. Contava, então, 72 anos de idade.

Pensamentos sobre as mulheres

No "Ensaio de Schopenhauer acerca das mulheres" de 1851 ("Of Women", "Über die Weiber", texto completo), ele expressou sua oposição ao que chamou de "estupidez germano-cristã" sobre questões femininas. Ele argumentou que "está na natureza da mulher obedecer" e se opôs ao poema em honra das mulheres de Friedrich Schiller, "Dignidade das Mulheres" ("Dignity of Women"). O ensaio oferece dois elogios, no entanto: "as mulheres são decididamente mais sóbrias nos seus julgamentos que os [homens] são" e são mais simpáticas aos sofrimentos alheios. Porém, este último elogio foi considerado como uma fraqueza ao invés de uma virtude humanitária.
As escritas controversas de Schopenhauer influenciaram várias pessoas, de Friedrich Nietzsche às feministas do século XIX. A análise biológica de Schopenhauer da diferença entre os sexos, e seus papéis separados na luta pela sobrevivência e reprodução, antecipam alguns argumentos que foram posteriormente ventilados por sociobiologistas e psicólogos evolucionários no século 20.
Após o já idoso Schopenhauer ter posado para uma escultura de Elisabet Ney, ele teria dito à amiga de Richard Wagner, Malwida von Meysenbug: "Eu ainda não fiz meu último pronunciamento sobre as mulheres. Eu acredito que, se uma mulher obter êxito em se retirar da coletividade, ou preferir se desenvolver além dela, não deixará de progredir até mais do que um homem."

Conceito de Representação e sua relação com a Vontade

O ponto de partida para a compreensão da filosofia de Schopenhauer é o conceito de Representação. Representação, na obra de Schopenhauer, é a atividade fisiológica que ocorre no cérebro de um animal (que pode ser um humano ou outro animal) ao fim da qual temos a formulação de uma imagem percebida pelo sujeito.
A representação é uma tradução que nossos sentidos fazem a partir de informações advindas do "mundo exterior".
Portanto, o mundo que percebemos é uma construção mental; os nossos sentidos recebem comprimentos de ondas do mundo exterior (input), que não são vermelhas ou verdes em si, e então nosso cérebro (entendimento) trabalha para traduzi-las em cores, formas etc...(output). O mesmo ocorrendo com sons, tato etc (no caso do som, o cérebro traduz ondas sonoras em sons). Porém, tal construção não se dá de forma aleatória e desordenada, ela tem como a priori três fatores do entendimento: Espaço, Tempo e Causalidade. O espaço e o tempo são como "óculos do entendimento" através da qual percebemos o mundo. Já o mundo "fora de nossas representações cognitivas" ou "mundo exterior" seria a Vontade. A Vontade, portanto, está além do espaço e tempo e não é regida por causalidade, daí Schopenhauer dizer que a essência do mundo é "irracional" pois não segue o princípio de Razão. Quando a Vontade passa pelos sentidos, e sofre os processos descritos na definição de representação citada acima, torna-se o mundo que vemos em nossa volta. Logo, na filosofia schopenhauriana, não há distinção entre Sujeito (ser que percebe) e objeto (Vontade representada), pois o próprio sujeito, seu corpo, seus pensamentos e sentimentos também são Vontade objetivada. A Vontade atinge seu mais alto grau da consciência humana, quando então ela pode contemplar a si mesma como representação, pode ver a si mesma como num espelho.
Entretanto, o ser humano não percebe esse processo, pois ele acredita ser, devido à limitação dos sentidos, individualizado e independente do mundo, um ser autônomo. Como a Vontade é destituída do princípio de Razão, é criada a ilusão de que cada ser humano, ou animal, é uma vontade particular, em luta com outras vontades, uma luta incessante que culmina sempre em sofrimento, tema recorrente na filosofia de Schopenhauer. Para superar o sofrimento é necessário o reconhecimento de que há somente uma Vontade, independente, livre e essência do Universo. Há a mesma Vontade em um leão, num ser humano ou numa pedra.
Isto de certa forma diminuí um pouco o famoso "pessimismo" de Schopenhauer, pois ele abre a oportunidade de cada ser libertar-se das amarras da Representação. A essência da realidade (Vontade) é o próprio cerne do sujeito, o ser humano, então, leva dentro de si a chave que lhe permite ver a unidade dos fenômenos. Para isto, o ser humano deve contemplar a si mesmo, reconhecer-se como Vontade e notar que sua vida é apenas uma sequência de fenômenos representados que nada tem a ver com a essência do Ser.

Cronologia

1788 - Nascimento de Schopenhauer em Dantzig, no dia 22 de fevereiro.
Kant: Crítica da razão prática.
1789 - Revolução Francesa
George Washington é o primeiro presidente dos Estados Unidos.
1790 - Kant: Crítica da faculdade de julgar.
1793 - Os Schopenhauer se mudam para Hamburgo.
1794 - Fichte: Fundamentos da doutrina da ciência em seu conjunto.
1800 - Schelling: Sistema do idealismo transcendental.
1800-1805 - Destinado por seu pai ao comércio, Schopenhauer realiza uma série de viagens pela Europa ocidental: Áustria, Suíça, França, Países Baixos, Inglaterra. Isso lhe rende um Diário de viagem e um excelente conhecimento do francês e do inglês.
Napoleão é imperador pela Europa.
Beethoven compõe a Heróica.
1805 - Suicida-se o pai de Schopenhauer; este permanece em Hamburgo, renuncia à carreira comercial para dedicar-se aos estudos nos liceus de Gota e de Weimar, e sua mãe muda-se para Weimar.
Napoleão é rei da Itália.
1807 - Hegel: A Fenomenologia do Espírito.
1808 - Fichte: Discurso à nação alemã.
Goethe: As afinidades eletivas e Fausto (primeira parte).
1811 - Ingresso de Schopenhauer na Universidade de Berlim, onde estuda filosofia.
1813 - Schopenhauer: Da quádrupla raiz do princípio da razão suficiente (tese de doutorado).
Nascimento de Kierkegaard.
1814 - Schopenhauer rompe relações com a mãe e muda-se para Dresden.
Napoleão abdica e se retira para a ilha de Elba.
Morre Fichte.
1815 - Derrota de Napoleão em Waterloo. O Congresso de Viena reorganiza a Europa sob o signo da Santa Aliança.
1816 - Schopenhauer: Da visão e das cores.
1818 - Hegel na universidade de Berlim, onde lecionará até a sua morte.
1819 - Schopenhauer: O mundo como vontade e representação.
1820 - Schopenhauer começa a lecionar em Berlim com o título de privat-dozent. Fracassa.
1825 - Nova tentativa na universidade de Berlim. Novo fracasso. Schopenhauer renuncia à docência e passa a viver daí em diante com a herança paterna.
1830 - Hegel: Enciclopédia das ciências filosóficas (edição definitiva).
1831 - Morre Hegel.
1832 - Morre Goethe.
1833 - Schopenhauer estabelece-se em Frankfurt, onde residirá até sua morte.
1836 - Schopenhauer: Da vontade na natureza.
1839 - Schopenhauer recebe um prêmio da Sociedade Norueguesa de Ciências de Drontheim por uma dissertação sobre "A liberdade da vontade".
1840 - A dissertação "Sobre o fundamento da moral" não recebe prêmio da Sociedade Real Dinamarquesa de Ciências de Copenhague.
1841 - Schopenhauer publica suas duas dissertações de concurso sob o título de Os dois problemas fundamentais da ética.
Feuerbach: A essência do cristianismo.
1843 - Kierkegaard: Temor e tremor.
1844 - Schopenhauer: O mundo como vontade e representação, segunda edição acompanhada de Suplementos.
Stirner: O único e sua propriedade.
Marx e Engels: A sagrada família ou Crítica da crítica crítica contra Bruno Bauer e sócios.
Kiergaard: O conceito da angústia.
Nascimento de Nietzsche.
1846 - Comte: Discurso sobre o espírito positivo.
1848 - Marx e Engels: Manifesto do Partido Comunista.
Revolução na França e na Alemanha. Sua correspondência confirma que Schopenhauer desejou e apoiou a repressão em Frankfurt.
1851 - Schopenhauer: Parerga e Paralipomena. Êxito e primeiros discípulos, Frauenstädt, Gwinner etc.
1856 - Nasce Freud.
1859 - Darwin: A origem das espécies.
1860 - Schopenhauer morre em 21 de setembro

Schopenhauer como personagem literário

A Cura de Schopenhauer

Referências

 - a b c d Arthur Schopenhauer (em português). UOL - Educação. Página visitada em 21 de setembro de 2012.
 - "Encyclopedia of Psychology and Religion, Volume 2" (2009), publicado pela Springer, página 824. Uma declaração mais precisa pode ser para um alemão - ao invés de escritores franceses ou britânicos daquela época - Schopenhauer era um honesto e assumido ateu.
- SAFRANSKI, Rüdiger. A cena primordial da compaixão: In: BOFF, L.; MÜLLER, W. Princípio de compaixão e cuidado. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2009. Capítulo: V., 128-129 p. ISBN 978-85-326-2414-7
Arquivado do original em 27 de Outubro de 2009.[ligação inativa]
 - Feminism and the Limits of Equality PA Cain - Ga. L. Rev., 1989

 - Safranski (1990), Capítulo 24. Página 348.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Thomas Merton

Thomas Merton (Prades,, 31 de janeiro de 1915  — Bangcoc, 10 de Dezembro de 1968) foi um escritor católico do século XX. Monge trapista da Abadia de Gethsemani, Kentucky, ele foi um poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros, a maioria sobre espiritualidade, e também foi objeto de várias biografias.

Relação com o Brasil

No Brasil Thomas Merton tinha vários amigos e publicou um grande número de livros. Muitas são as pessoas, leigas ou religiosas, que atribuem às leituras de seus livros como marcos importantes para suas vidas espirituais. Foram lançados mais de 40 livros em português, graças ao envolvimento de intelectuais – como Alceu Amoroso Lima – e de monjas e monges beneditinos – como Dom Basílio Penido, Dom Timóteo Amoroso Anastácio, Dom Estêvão Bettencourt e, principalmente, da irmã Maria Emmanuel de Souza e Silva.
A história sobre o início de uma relação de trabalho e de uma amizade é contada no livro Thomas Merton: o homem feliz, pela Ir. Maria Emmanuel. Ao longo de 13 anos trocaram mais de uma centena de cartas, cartões postais, "santinhos" e livros. Parte das cartas de Merton enviadas à Ir. Maria Emmanuel estão registradas no livro The Hidden Ground of Love: Letters on Religious Experience and Social Concerns (Letters, I).
Merton se correspondeu com outros brasileiros como Alceu Amoroso Lima, Dom Hélder Câmara, abades beneditinos, religiosas e religiosos e simples leitores, ao longo de sua vida. Ele também se interessava por vários autores brasileiros - em especial pelos poetas Manuel Bandeira e Jorge de Lima.
O continuado interesse por Merton, sua vida e suas ideias, levou à fundação, em 10 de dezembro de 1996, da Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton - SAFTM.
Após ter cessado por longos anos a publicação de suas obras no Brasil, existindo apenas dois títulos em 1996, foram reeditados em 1999 os livros A Montanha dos Sete Patamares, Novas Sementes de Contemplação e Ascensão para a Verdade logo seguidos pela publicação de outros títulos nos anos subsequentes. Hoje já são dezesseis títulos disponíveis, tendo se estabelecido um novo interesse em dar continuidade à publicação de antigas e novas obras. Além desses existem quatro livros sobre Thomas Merton. Os quase trinta outros títulos esgotados podem ser encontrados em sebos de todo o país.

Correspondentes

Merton foi um correspondente prolífico, tendo escrito milhares de cartas a diferentes pessoas em todo o mundo, estabelecendo um diálogo sobre temas de mútuo interesse com os seus correspondentes como também respondendo fraternalmente a consultas e agradecendo elogios de seus leitores. Suas cartas são dirigidas e recebidas de intelectuais e de pessoas comuns. De dignitários da Igreja a singelas monjas em localidades pobres e remotas.
O Thomas Merton Center tem catalogado e arquivado milhares dessas cartas, mas não a totalidade delas. Várias são de brasileiros, correspondentes habituais ou ocasionais de Merton.

Livros

 (1944) - Thirty Poems
(1946) - A Man in the Divided Sea
(1948) - The Seven Storey Mountain
(1949) - Seeds of Contemplation; The Tears of the Blind Lions; The Waters of Siloe
(1951) - The Ascent of Truth
(1953) - The Sign of Jonas
(1955) - No Man Is An Island
(1956) - The Living Bread
(1957) - The Silent Life; The Strange Islands
(1958) - Thoughts in Solitude
(1959) - The Secular Journal of Thomas Merton; Selected Poems
(1960) - Disputed Questions; The Wisdom of the Desert
(1961) - The New Man
(1962) - New Seeds of Contemplation
(1964) - Seeds of Destruction
(1965) - Gandhi on Non-Violence; The Way of Chuang Tzu; Seasons of Celebration
(1966) - Raids on the Unspeakable; Conjectures of a Guilty Bystander
(1967) - Mystics and Zen Masters
(1968) - Monks Pond; Cables to the Ace; Faith and Violence; Zen and the Birds of Appetite
(1969) - My Argument with the Gestapo; Contemplative Prayer; The Geography of Lograire
(1971) - Contemplation in a World of Action
(1973) - The Asian Journal of Thomas Merton
(1976) - Ishi Means Man
(1977) - The Monastic Journey; the Collected Poems of Thomas Merton
(1979) - Love and Living
(1980) - The Non-Violent Alternative
(1981) - The Literary Essays of Thomas Merton; Day of a Stranger; Introductions East and West: The Foreign Prefaces of Thomas Merton
(1982) - Woods, Shore and Desert: A Notebook, May 1968
(1985) - The Hidden Ground of Love: Letters on Religious Experience and Social Concerns (Letters, I)
(1988) - A Vow of Conversation: Journals 1964-1965; Thomas Merton in Alaska: The Alaskan Conferences, Journals and Letters
(1989) - The Road to Joy: Letter to New and Old Friends (Letters, II)
(1990) - The School of Charity: Letters on Religious Renewal and Spiritual Direction (Letters, III)
(1993) - The Courage for Truth: Letters to Writers (Letters, IV)
(1994) - Witness to Freedom: Letters in Times of Crisis (Letters, V)
(1995) - Run to the Mountain: The Story of a Vocation (Journals, I: 1939-1941)
(1996) - Entering the Silence: Becoming a Monk and Writer (Journals, II: 1941-1952)
(1996) - A Search for Solitude: Pursuing the Monk's True Life (Journals, III: 1952-1960)
(1996) - Turning Toward the World: The Pivotal Years (Journals, IV: 1960-1963)
(1997) - Dancing in the Water of Life: Seeking Peace in the Hermitage (Journals, V: 1963-1965)
(1997) - Learning to Love: Exploring Solitude and Freedom (Journals, VI: 1966-1967)
(1998) - The Other Side of the Mountain: The End of the Journey (Journals, VII: 1967-1968)
(1999) - The Intimate Merton: His Life From His Journals
(2000) - Thomas Merton: Essential Writings
(2001) - Dialogues with Silence
(2003) - The Inner Experience; Seeking Paradise: The Spirit of the Shakers
(2004) - Peace in a Post-Christian Era
(2005) - In the Dark Before Dawn: New Selected Poems of Thomas Merton; Cassian and the Fathers
(2006) - The Cold War Letters
(2007) - Thomas Merton In My Own Words
(2008) - Choosing to Love the World

Bibliografia

Merton Vade Mecum: A Quick-Reference Bibliographic Handbook, Patricia A. Burton. (Thomas Merton Foundation Publications), 2001. 164 pag.
About Merton Secondary Sources 1945-2000: A Bibliographic Workbook. Compilado por Patricia A. Burton, Marquita Breit e Paul M. Pearson. (Thomas Merton Foundation Publications), 2002. 248 pags.
The Thomas Merton Encyclopedia. Editada por William H. Shannon, Christine Bochen and Patrick O'Connell. (Orbis Books), 2002. Brochura, 572 pag.
Mística e Compaixão: A teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton (Paulinas, 2008) Getulio Antonio Bertelli
Oração pela Vida: O compromisso contemplativo de Thomas Merton (Agir, 1979) Henri J. M. Nouwen. Tradução de Rene Bucks e Alzira Maria Ribeiro Araujo
Thomas Merton – o apóstolo da compaixão (T.A. Queiroz, 1984) J.C. Ismael
Thomas Merton - o homem que aprendeu a ser feliz (Vozes, 1997) Ir.Maria Emmanuel de Souza e Silva.
Thomas Merton - o homem feliz (Vozes) Ir.Maria Emmanuel de Souza e Silva.

Biografias

Diversas biografias de Merton foram publicadas. Entre elas:
The Seven Mountains of Thomas Merton, Michael Mott
The Silent Lamp, William Shannon
Merton, A Biography, Monica Furlong
Follow the Ecstasy, John Howard Griffin
Thomas Merton, My Brother, Basil Pennington OCSO

Thomas Merton: A Film Biography, Paul Wilkes and Audrey L. Glynn

Fonte: Wikipédia

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Jean Baptista van Helmont


Jean Baptista van Helmont (Bruxelas, 12 de janeiro de 1579 — Vilvoorde, Flandres, 30 de dezembro de 1644) foi um médico, químico e fisiologista belga.

Vida e obra

Grande defensor da Abiogênese (Geração Espontânea) e da hipótese de Aristóteles, que afirmava a existência de um "princípio ativo" (capacidade de originar seres vivos), van Helmont acreditava que conseguiria "fazer" um ser vivo por meio da matéria bruta.
Seu famoso livro de receitas ensinava como se obter seres vivos a partir do "princípio ativo". Uma receita dizia que se deve misturar uma roupa suja de mulher com germe de trigo e esperar vinte e um dias para obter ratos, sendo verdade que os ratos são atraídos pela mistura.

Principais publicações

1621 - De magnetica vulnerum curatione. Disputatio, contra opinionem d. Ioan. Roberti (...) in brevi sua anatome sub censurae specie exaratam, Paris
1642 - Febrium doctrina inaudita, Antverpiae
1644 - Opuscula medica inaudit
1648 - Ortus medicinae, id est Initia physicae inaudita

Van Helmont era o caçula de cinco filhos de Maria (van) e van Stassaert Christiaen Helmont, um promotor público e membro do Conselho de Bruxelas, que havia se casado no Sint-Goedele igreja em 1567. Ele foi educado em Leuven, e depois variando inquieto de uma ciência para outra e encontrar satisfação em nenhum, virou-se para a medicina. Ele interrompeu seus estudos, e por alguns anos ele viajou pela Suíça, Itália, França e Inglaterra. Retornando ao seu próprio país, van Helmont obteve um diploma em medicina em 1599. Ele praticou em Antuérpia, no momento da grande peste em 1605. Em 1609 ele finalmente obteve seu doutorado em medicina. No mesmo ano ele se casou com Margaret van Ranst, que era de uma rica família nobre. Van Helmont e Margaret viveram em Vilvoorde, perto de Bruxelas, e tiveram seis ou sete filhos. A herança de sua esposa lhe permitiu aposentar mais cedo a partir de sua prática médica e ocupar-se com experimentos químicos, até a sua morte na 30 dez 1644.

Bibliografia

Pagel, Walter. From Paracelsus to Van Helmont: studies in Renaissance medicine and science. London: Variorum Reprints, 1986.
Pagel, Walter. Joan Baptista van Helmont: reformer of science and medicine. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 1982.

Steffen Ducheyne, Joan Baptiste Van Helmont and the Question of Experimental Modernism, Physis: Rivista Internazionale di Storia della Scienza, vol.43, 2005, pp. 305–332.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Santa Ana


Na Sagrada Escritura conta-se que a mãe de Samuel, Ana, na aflição da esterilidade que lhe tirava o privilégio da maternidade, dirigiu-se com fervorosa oração ao Senhor e fez promessa de consagrar ao serviço de Deus o futuro filho. Obtida a graça, após ter dado à luz o pequeno Samuel, levou-o a Silo, onde estava guardada a arca da aliança e o confiou ao sacerdote Eli, após tê-lo oferecido ao Senhor. Tomando isso como ponto de partida o Proto-evangelho de Tiago, apócrifo do século segundo, traça a história de Joaquim e Ana, pais da Bem-aventurada Virgem Maria. A piedosa esposa de Joaquim, após longa esterilidade obteve do Senhor o nascimento de Maria, que aos três anos levou ao Templo, deixando-a ao serviço divino, cumprindo o voto feito.
O fundamento histórico provável, embora na discordante literatura apócrifa, é de algum modo revestido de elementos secundários, copiados da história da mãe de Samuel. Faltando no Evangelho qualquer menção dos pais de Nossa Senhora, não há outra fonte senão os apócrifos, nos quais não é impossível encontrar, entre os predominantes elementos fantásticos, alguma informação autêntica, recolhida por antigas tradições orais. O culto para com os santos pais da Bem-aventurada Virgem é muito antigo, sobre os gregos sobretudo. No Oriente venerava-se santa Ana no século VI, e tal devoção estendeu-se lentamente por todo o Ocidente a partir do século X até atingir o seu máximo desenvolvimento no século XV. Em 1584 foi instituída a festividade de santa Ana, enquanto são Joaquim era deixado discretamente de lado, talvez pela própria discordância sobre o seu nome que se revela em outros escritos apócrifos, posteriores ao Proto-evangelho de Tiago.
Além do nome de Joaquim, ao pai da Virgem Santíssima é dado o nome de Cléofas, de Sadoc e de Eli. Os dois santos eram comemorados separadamente: santa Ana a 25 de Julho pelos gregos e no dia seguinte pelos latinos. Em 1584 também são Joaquim achou espaço no calendário litúrgico, primeiro a 20 de março, para passar ao domingo da oitava Assunção em 1738, em seguida a 16 de agosto em 1913 e depois reunir-se com a santa esposa no novo calendário litúrgico, no dia 26 de julho. “Pelos frutos conhecereis a árvore,” disse Jesus no Evangelho. Nós conhecemos a flor e o fruto suavíssimo vindo da velha planta: A Virgem Imaculada, isenta do pecado de origem desde o primeiro instante de sua concepção, por um privilégio único, para ser depois o tabernáculo vivo do Deus feito homem. Pela santidade do fruto, Maria, deduzimos a santidade dos pais, Ana e Joaquim.

Sincretismo da Santa Ana: Nãnã
Devoção da Santa Ana: Padroeira dos avós.

Data Comemorativa: 26 de Julho.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Robert Fludd



Robert Fludd nasceu em Milgate (Kent), Inglaterra, no ano de 1574, sendo seu pai um nobre daquele país. Foi médico, filósofo e escritor – um verdadeiro polígrafo. Viajou pela França, Alemanha, e Espanha, indo depois estabelecer-se em Londres, onde iniciou a sua carreira médica.

Nesta capital europeia praticou a medicina com êxito, e diz-se que combinava a cura espiritual com o tratamento puramente médico. Nos países mencionados, com a convivência de homens de ciência, aperfeiçoou os seus conhecimentos de Filosofia, Medicina, História Natural, Alquimia e Teosofia, que tinha adquirido em Oxford, tornando-se um dos homens mais eruditos do seu tempo.

Adversário dos "peripatéticos" (os que seguem a filosofia de Aristóteles), e em geral de toda a filosofia pagã, introduziu na Inglaterra a filosofia natural e a teosofia de Paracelso e de Cornélio Agripa. Tal como Paracelso, esforçou-se por formar um sistema de filosofia fundado na identidade da verdade espiritual e física.

Nos seus escritos notam-se as antigas doutrinas rosacrucianas que se consubstanciam nisto: o Universo e todas as coisas procedem de Deus – o princípio e o fim de todas as coisas, que a Ele retornarão.

O acto de criação é a reparação do princípio activo (luz), do principio passivo (obscuridade) no seio da unidade divina (Deus).

Para ele, como para qualquer rosacruciano, a unidade de toda a vida é um facto indiscutível. A sua explicação do acto da Criação recorda-nos o princípio do evangelho de S. João, no qual este fala do papel que a Luz (Espírito) e as trevas (matéria) desempenham na Criação do Universo. Fludd diz que o universo consiste em três mundos: o arquetípico (Deus), o macrocosmo (o mundo) e o microcosmo (o homem). Este é o mundo em miniatura. Todas as partes de ambos se correspondem simpaticamente, actuando uma sobre a outra.

Com tais opiniões, dá-nos a entender que também para ele era certa a verdade do axioma hermético: "Como em cima é em baixo, e como em baixo é em cima".

Diz ainda que é possível para o homem (e também para o mineral e para a planta) sofrer a transformação e obter imortalidade. Ora, isto não é mais que a expressão, por outras palavras, do princípio da evolução. O sistema de Fludd pode ser descrito como um panteísmo materialista apresentado em fórmulas místicas. Isto quer dizer unicamente que, para ele, o Universo material não é mais do que Espírito (Deus) cristalizado, sendo uma coisa vivente e o corpo de Deus, tal como o aprendemos na nossa Filosofia Rosacruz.

Alegoricamente interpretado, o sistema de Fludd contém o significado real do Cristianismo, conforme o revelado ao homem primitivo pelo próprio Deus, transmitido a Moisés e aos patriarcas por tradição, e revelado pela segunda vez por Cristo.

Entre as suas obras figuram: Utriusque Cosmi metaphisica atque technica historica (Oppenheim, 1617); Tracttatus theologiae philosophica (Oppenheim, 1617); Clavis philosophiae et alchymiae Fluddano (Francfrt, 1633), obras nas quais reuniu os dois princípios dominadores da natureza, a simpatia e a antipatia, com a força magnética universal; De Monochordum Mundi(Francfort, 1623), obra na qual compara o Universo com um monocórdio (instrumento musical duma só corda).

É notável a sua interpretação do fogo. Segundo Fludd o fogo contém: 1º – uma chama visível (corpo); 2º – um fogo astral invisível; 3º – um "espírito". Quando uma chama se extingue no plano material, não faz mais do que passar do mundo visível ao invisível. Com esta interpretação equipara-se aos Rosacruzes, que também foram chamados os "filósofos do fogo".

O primeiro emblema da Irmandade Rosacruz foi dado a conhecer em 1619, por Fludd, sob a forma de uma cruz com uma rosa ao meio, colocada sobre um pedestal com três degraus.

Entre os seus escritos contam-se mais os seguintes: Tractatus apologeticus (Leyden, 1617), que é a defesa detalhada dos Rosacruzes contra a maledicência e a calúnia dos ignorantes e mal intencionados; Apologia compendiaria fraternitatem de Rosea Cruce suspicionis et infamiae maculis aspersam abluens (Leyden, 1617).

Como bom rosacruz, Fludd mostra o equilíbrio entre o coração e a mente, que a nossa filosofia ensina ser absolutamente necessário para o desenvolvimento perfeito do homem e assim vemos que, apesar de ser um místico, eram também um homem de muitos e variados recursos, e nunca desdenhou as experiências científicas.

Fludd morreu em Londres, no dia 8 de Setembro de 1637.


Bibliografia

A. E. Waite, History of the Rosicrucians, 1887; J.B. Graven, Robert Fludd the English Rosicrucian, 1902; J. Hunt, Religious Thought in England,1871; Thomas De Quincey, The Rosicrucian and Freemasonry, 1871.

domingo, 7 de julho de 2013

Agostinho de Hípona


Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), dito de Hipona, conhecido como Santo Agostinho (Tagaste, 13 de novembro de 354 - Hipona, 28 de agosto de 430), foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo e é um Padre latino e Doutor da Igreja Católica.
Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo maniqueísmo e pelo neoplatonismo de Plotino, mas depois de tornar-se cristão (387), ele desenvolveu a sua própria abordagem sobre filosofia e teologia e uma variedade de métodos e perspectivas diferentes. Ele aprofundou o conceito de pecado original dos padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a desintegrar-se, desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus (num livro de mesmo nome), distinta da cidade material do homem. Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem medieval. A Igreja se identificou com o conceito de "Cidade de Deus" de Agostinho, e também a comunidade que era devota de Deus.
Na Igreja Católica, e na Igreja Anglicana, é considerado santo, e importante Doutor da Igreja, e o patrono da ordem religiosa agostiniana. Muitos protestantes, especialmente os calvinistas mas também os luteranos (basta recordar que Martinho Lutero era inicialmente um sacerdote católico agostiniano), consideram-no como um dos pais teólogos da Reforma Protestante ensinando a salvação e a graça divina.
Na Igreja Ortodoxa Oriental ele é louvado, e seu dia festivo é celebrado em 15 de junho, apesar de uma minoria ser da opinião que ele é um herege, principalmente por causa de suas mensagens sobre o que se tornou conhecido como a cláusula filioque. Entre os ortodoxos é chamado de "Agostinho Abençoado", ou "Santo Agostinho, o Abençoado".

Biografia

Agostinho nasceu na cidade de Tagaste (atual Souk-Ahras, Argélia), a cerca de 90 km do Mediterrâneo, na Numídia (atual Souk Ahras), à época uma província romana do norte da África. Apesar do gentílico Aurelius, que poderia indicar a aquisição da cidadania romana sob o reinado de Marco Aurélio, Cômodo ou Caracala, Agostinho era de ascendência berbere. Seu pai, Patricius, era um berbere romanizado, cidadão romano, pagão; a mãe, Mônica, era berbere cristã. A esperança da família, sem muitos recursos, era educar seus filhos para que se tornassem professores, advogados ou membros da administração imperial. Agostinho foi educado no norte da África e resistiu aos ensinamentos de sua mãe para se tornar cristão.
Com onze anos de idade, foi enviado para a escola em Madaura, uma pequena cidade da Numídia. Lá ele tornou-se familiarizado com a literatura latina e com práticas e crenças do paganismo. Em 369 e 370, permaneceu em casa.
Durante esse período Agostinho leu o diálogo Hortensius de Cícero (hoje perdido), que deixaria uma impressão duradoura sobre ele e despertando-lhe o interesse pela filosofia. Passou a ser um seguidor do maniqueísmo.
Com dezessete anos, graças à generosidade de um concidadão, chamado Romaniano, o pai de Agostinho pôde enviá-lo para Cartago para continuar sua educação na retórica.Vivendo como um pagão intelectual, ele tomou uma concubina. Numa tenra idade, desenvolveu uma relação estável com uma jovem, em Cartago, com a qual viveu em concubinato por quinze anos e com quem viria a ter um filho, Adeodato. Segundo a lei romana, sendo a mulher de classe inferior, eles não poderiam se casar. O casal viria a se separar em 386, quando ela o deixou em Milão e partiu para a Numídia. 
Durante os anos 373 e 374, Agostinho ensinou gramática em Tagaste. No ano seguinte, mudou-se para Cartago a fim de ocupar o cargo de professor da cadeira municipal de retórica, e permanecerá lá durante os próximos nove anos.
Desiludido pelo comportamento indisciplinado dos alunos em Cartago, em 383, mudou-se para estabelecer uma escola em Roma, onde ele acreditava que os melhores e mais brilhantes retóricos ensinaram. No entanto, Agostinho ficou desapontado com as escolas romanas, que ele encontrou apática. Quando chegou o momento para os seus alunos para pagar os seus honorários eles simplesmente fugiram.
Amigos maniqueístas apresentaram-lhe o prefeito da cidade de Roma, Symmachus, que tinha sido solicitado a fornecer um professor de retórica imperial para o tribunal provincial em Milão. Agostinho ganhou o emprego e ocupou o cargo no final de 384.

Cristão

Enquanto ele estava em Milão, Agostinho mudou de vida. Ainda em Cartago, começou a abandonar o maniqueísmo, em parte, devido a um decepcionante encontro com um chefe expoente da teologia maniqueísta, Fausto.
Em Roma, ele relata ter completamente se afastado do maniqueísmo, e abraçou o movimento cético da Academia Neoplatónica. Sua mãe insistia para que ele se tornasse cristão e também seus próprios estudos sobre o neoplatonismo também foram levando-o neste sentido, e seu amigo Simplicianus instou-o dessa forma também. Mas foi a oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que teve mais influência sobre a conversão de Agostinho.
A mãe de Agostinho havia-o seguido para Milão e insistiu para que abandonasse a relação com a mulher com quem vivia ilegalmente e procurasse outra para casar, conforme as leis do mundo e a doutrina cristã. A amada foi mandada de volta para a África e Agostinho deveria esperar dois anos para contrair casamento legal; mas logo ligou-se a uma concubina.
No verão de 386, após ter lido um relato da vida de António do Deserto, de Atanásio de Alexandria, que muito inspirou-lhe, Agostinho sofreu uma profunda crise pessoal. Decidiu se converter ao cristianismo católico, abandonar a sua carreira na retórica, encerrar sua posição no ensino em Milão, desistir de qualquer ideia de casamento, e dedicar-se inteiramente a servir a Deus e às práticas do sacerdócio.
A chave para esta transformação foi à voz de uma criança invisível, que ouviu enquanto estava em seu jardim em Milão, que cantava repetidamente, "Tolle, lege"; "tolle, lege" ("toma e lê"; "toma e ler"). Ele tomou o texto da epístola de Paulo aos romanos, e abriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: "Não caminheis em glutonerias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites".
Ele narra em detalhes sua jornada espiritual em sua famosa Confissões (Confessions), que se tornou um clássico tanto da teologia cristã quanto da literatura mundial. Ambrósio batizou Agostinho, juntamente com seu filho, Adeodato, na vigília da Páscoa, em 387, em Milão, e logo depois, em 388 ele retornou à África. Em seu caminho de volta à África sua mãe morreu, e logo após também seu filho, deixando-o sozinho, sem família.

Bispo

Após o regresso ao Norte da África, vendeu seu patrimônio e deu o dinheiro aos pobres. A única coisa com que ele ficou foi a casa da família, que se converteu em uma fundação monástica para si e um grupo de amigos.
Em 391, ele foi ordenado sacerdote em Hipona (atual Annaba, na Argélia). Em 396, foi eleito bispo coadjutor de Hipona (auxiliar, com o direito de sucessão depois da morte do bispo corrente) e pouco depois bispo principal. Ele permaneceu nessa posição em Hipona até sua morte em 430.
Ele deixou o seu mosteiro, mas continuou a levar uma vida monástica na residência episcopal. Ele deixou uma regra (latim, regulamentos) para seu mosteiro que o levou ser designado o "santo padroeiro do clero regular", isto é, sacerdotes que vivem por uma regra monástica.
Sua vida foi registrada pela primeira vez por seu amigo São Possídio, bispo de Calama, no seu Sancti Augustini vita. Descreveu-o como homem de poderoso intelecto e um enérgico orador, que em muitas oportunidades defendeu a fé católica contra todos seus inimigos.
Possídio também descreveu traços pessoais de Agostinho com detalhe, desenhando um retrato de um homem que comia com parcimónia, trabalhou incansavelmente, desprezando fofocas, rejeitando as tentações da carne, e que exerceu a prudência na gestão financeira conforme sua posição e autoridade de bispo.
Sua vida não é tranquila: missa diária, prega até duas vezes ao dia, dá catequese, administra bens temporais, resolve questões de justiça (cerca, muro, dívidas, brigas de família…), atende aos pobres e órfãos, etc.
Pouco antes da morte de Agostinho, a província da África Proconsular foi invadida pelos vândalos, uma tribo guerreira que estava aderindo ao arianismo. Pouco depois de Hipona ser cercada pelos bárbaros Agostinho adoeceu; Possídio relata que ele gastou seus últimos dias em oração e penitência, pedindo para que os salmos penitenciais de Davi fossem pendurados em sua parede para que ele pudesse ler. Pouco tempo após sua morte, os vândalos levantaram o cerco de Hipona, mas não muito tempo depois eles voltaram e queimaram a cidade. Eles destruíram tudo, mas a catedral de Agostinho e a biblioteca ficaram inalteradas.
Agostinho foi canonizado por reconhecimento popular e reconhecido como um Doutor da Igreja. Na Igreja Católica, o seu dia é 28 de agosto, o dia no qual ele supostamente morreu. Ele é considerado o santo padroeiro dos impressores, teólogos e de um grande número de cidades e dioceses. Para os protestantes ou evangélicos, Agostinho é referencial na história eclesiástica, pois foi um valoroso líder da Igreja primitiva e deixou suas marcas como verdadeiro discípulo de Cristo.

Obras

Agostinho foi um autor prolífico em muitos géneros — tratados filosóficos, teológicos, comentários de escritos da Bíblia, além de sermões e cartas.
Dele restaram algumas centenas de cartas (Epistulae) e de sermões (Sermones) considerados autênticos. Além disso, deixou 113 obras escritas.
Agostinho é chamado de o Doutor da Graça, por sua compreensão sobre o tema.

Textos autobiográficos:

As suas Confissões (Confesiones), escritas entre os anos 397-398, são geralmente consideradas como a primeira autobiografia. Agostinho descreve sua vida desde sua concepção até à sua então relação com Deus, e termina com um longo discurso sobre o livro do Génesis, no qual ele demonstra como interpretar a Bíblia. A consciência psicológica e auto-revelação da obra ainda impressionam leitores.
Mesmo sendo uma autobiografia, as Confissões não deixam de ter a marca filosófica de Agostinho. No Livro X, Agostinho escreve sobre a memória e suas atribuições. Já no Livro XI, Agostinho fala sobre a Criação, sobre o Tempo e da noção psicológica que se tem deste.
No fim da sua vida, Agostinho revisitou os seus trabalhos anteriores por ordem cronológica e sugeriu que teria falado de forma diferente numa obra intitulada Retratações, que nos daria uma imagem considerável do desenvolvimento de um escritor e os seus pensamentos finais.

Filosóficos:

Diálogos: Solilóquios (Soliloquiorum libri duo), Sobre o Mestre (De Magistro, trata da educação neste diálogo), Sobre o livre arbítrio (De Libero Arbitrio, trata sobre o mal e sobre as escolhas)
Contra os acadêmicos (Contra academicos, em que combate o cepticismo).
O Livro das disciplinas (Disciplinarum libri é uma vasta enciclopédia com o fim de mostrar como se pode e se deve ascender a Deus a partir das coisas materiais. Não está acabada).
Apologéticos: Da verdadeira religião (De vera religione), etc.
A Cidade de Deus (iniciada c. de 413, terminada em 426, uma de suas obras capitais, nela nos oferece uma síntese de seu pensamento filosófico, teológico e político). O De civitate Dei libri XXII.

Dogmáticos:

Entre 399-422, escreveu A Trindade, uma das principais obras que apoia a crença na Santíssima Trindade de Deus. O De Trinitate libri XV.
Sobre a imortalidade da alma (De inmortalitate animae)
Sobre a potencialidade da alma (De quantitate animae)
Enquirídio (Enchiridion, ad Laurentium ou De fide, spe et caritate liber I, é um manual de teologia segundo o esquema das três virtudes teológicas. Contém uma explicação do Credo, da oração do Padre Nosso e dos preceitos morais da Igreja Católica).
Da fé e do credo livro I (De fide et símbolo liber I), etc.

Morais e pastorais:

Contra mendacium, Da catequese dos não instruídos livro I (De catechizandis rudibus liber I), Da continência livro I (De continentia liber I), Da paciência livro I (De patientia liber I), etc.

Monásticos:

Regula ad servos — a mais antiga das regras monásticas do Ocidente.

Exegéticos:

A Bíblia teve um papel decisivo para Agostinho. Pode-se destacar:
Da doutrina cristã livro IV (De doctrina christiana libri IV (é uma síntese dogmática que servirá de modelo para as Sententiae os pensadores da Idade Média), De Genesi ad litteram libri XII, Da harmonia dos evangelhistas livro IV (De consensu Evangelistarum libri IV (foram escritos em resposta aos que acusavam os evangelistas de contradizer-se e de haver atribuído falsamente a Cristo a divinidade), etc.

Tratados:

Tratados sobre o evangelho de João (In Iohannis evangelium tractatus), As enarrações, ou exposições, dos Salmos (Enarrationes in Psalmos), etc.
Polémicos:
Muitas de suas obras tem caráter polêmico por causa dos conflitos que ele enfrentou. Isso levou São Posídio a classificá-las conforme os adversários combatidos: pagãos, astrológos, judeus, maniqueus, priscilianistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.
De natura boni liber I, Psalmus contra partem Donati, De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvolorum ad Marcellium libri III (de 412, primeira teología bíblica da redencão, do pecado original e da necessidade do batismo), De gratia et libero arbitrio liber I (de 426, em que demonstra a necessidade da graça, da existência do livre arbitrío), De haeresibus, etc.

Pensamento

O problema do mal

Em seu livro Sobre o livre arbítrio (em latim: De libero arbitrio) Agostinho responde de ao problema filosofico do mal de forma filosófica, demonstrando também filosoficamente que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser benevolente, pudesse ter criado o mal.
A concepção que Agostinho tem do mal, tem como base teoria platônica e a desenvolve. Assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que "sobraria" quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto o mal não seria oriundo da criação divina, mas seu antagonista por excelência, na condição de fruto do seu afastamento. No diálogo com seu amigo Evódio, Agostinho explica-lhe que a origem do mal está no livre-arbítrio concedido por Deus. Deus em sua perfeição, quis criar um ser que pudesse ser autônomo e assim escolher o bem de forma voluntária, um ser consciente. O homem, então, é o único ser que possuiria as faculdades da vontade, da liberdade e do conhecimento. Por esta forma ele é capaz de entender os sentidos existentes em si mesmo e na natureza. Ele é um ser capacitado a escolher entre algo bom (proveniente de Deus em uma criação perfeita) e algo mau (a prevalência da vontades humanas imperfeitas e que afetam negativamente a criação da perfeição idealizada por Deus).
Entretanto, por ter em si mesmo a carga do pecado original de Adão e Eva, estaria constantemente tendenciado a escolher praticar uma ação que satisfizesse suas paixões (a ausência de Deus em sua vida). Deus, portanto, não é o autor do mal, mas é autor do livre-arbítrio, que concede aos homens a liberdade de exercer o mal, ou melhor, de não praticar o bem. Esse argumento também implica que o ser humano tem direito de escolha sobre sua própria vida, não é apenas um ser programado. E se, segundo Agostinho, o bem é apreciado por Deus e a prática perfeita, todas as ações por ele inspiradas se tornam virtuosas e louváveis. Sendo que em um universo de seres não conscientes e que não têm livre-arbítrio, as práticas do bem e do mal seriam programadas e não poderiam ser classificadas como boas ou ruins.

Tempo e Criação

No Livro XI das Confissões (em latim: Confessiones) Agostinho põe-se a cargo de versar acerca da criação do mundo por meio do Verbo, que podemos entender como "palavra criadora". Com efeito, o filósofo compreende que o mundo só poderia ter duas origens 1) do nada (em latim: ex-nihilo) e 2) a partir de parte da sua substância. No entanto, a última suposição é falsa pois teria de se admitir um Deus mutável, algo não condizente com o pensamento do Doutor Africano.
A fim de responder a asserção: "Do que faria Deus antes de criar o mundo?" o filósofo tece sua crítica aos maniqueus e expõe seu pensamento a respeito do tempo e da criação. A evidente resposta de Agostinho à tal pergunta é a de que Deus não estaria a fazer nada, pois não havia tempo antes deste ter sido criado por Deus, ficando expresso que o tempo nada mais é do que uma criatura assim como o mundo e todas as coisas. Para o pensador, o tempo e o universo foram criado em conjunto, e Deus estaria fora deste contexto pois ele é eterno e a eternidade não entra no tempo.
Para o filósofo medieval, o tempo não tem existência per se e só pode ser apreendido por nossa alma por meio de uma atividade chamada de "distensão da alma" (em latim: distentio animi). A distensão da alma, grosso modo, nada mais é do que a compreensão dos três tempos; pretérito, presente e futuro na alma, de modo que seja possível lembrar do passado, viver o presente e prever o futuro. Agostinho afirma que a alma é quem pode medir o tempo e essa "medição" atesta a existência do tempo apenas em caráter psicológico.

Influência como pensador e teólogo

Na história do pensamento ocidental, sendo muito influenciado pelo platonismo e neoplatonismo, particularmente por Plotino, Agostinho foi importante para o "baptismo" do pensamento grego e a sua entrada na tradição cristã e, posteriormente, na tradição intelectual europeia. Também importantes foram os seus adiantados e influentes escritos sobre a vontade humana, um tópico central na ética, que se tornaram um foco para filósofos posteriores, como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, mas ainda encontrando eco na obra de Albert Camus e Hannah Arendt (ambos os filósofos escreveram teses sobre Agostinho).
É largamente devido à influência de Agostinho que o cristianismo ocidental concorda com a doutrina do pecado original. Os teólogos católicos geralmente concordam com a crença de Agostinho de que Deus existe fora do tempo e no "presente eterno"; o tempo só existe dentro do universo criado.
O pensamento de Agostinho foi também basilar na orientação da visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo portanto mais importante. Agostinho afirmava que a interpretação da Bíblia deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação do livro bíblico do Gênesis, como o que chamaríamos hoje de um "texto alegórico", iriam influenciar fortemente a Igreja medieval, que teria uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.
Tomás de Aquino tomou muito de Agostinho para criar sua própria síntese do pensamento filosófico grego e do cristão. Dois teólogos posteriores que admitiram influência especial de Agostinho foramJoão Calvino e Cornelius Otto Jansenius.

Notas e referências

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 The American Heritage College Dictionary. Boston: Houghton Mifflin Company, 1997. 91 p. ISBN 0395669170
 Cross, Frank L.; Livingstone, Elizabeth. The Oxford Dictionary of the Christian Church. Oxford Oxfordshire: Oxford University Press, 2005. Capítulo: Platonism, ISBN 0192802909
 Augustine the Theologian. Londres: [s.n.], 1970. 347-349 p. ISBN 0223-97728-4 (edição de março de 2002, ISBN 1-57910-918-7).
 Durant, Will. Caesar and Christ: a History of Roman Civilization and of Christianity from Their Beginnings to A.D. 325. Nova York: MJF Books, 1992. ISBN 1567310141
 Wilken, Robert L.. The Spirit of Early Christian Thought. New Haven: Yale University Press, 2003. 291 p. ISBN 0300105983
 Archimandrite [now Archbishop] Chrysostomos. . "Book Review: The Place of Blessed Augustine in the Orthodox Church". Orthodox Tradition II: 40-43. Página visitada em 28 de junho de 2007.
 "'Abençoado', aqui, não significa que ele é menos que um santo, porém é um título concedido a ele como sinal de respeito.""Blessed Augustine of Hippo: His Place in the Orthodox Church: A Corrective Compilation". Orthodox TraditionXIV: 33-35. Página visitada em 28-6-2007.
 Mônica é diminutivo de Monna, nome de uma divindade do Norte da África, cujo culto é referido em uma inscrição de Thignica (Ain Tounga, no vale do rio Medjerda). V. Nacéra Benseddik "À la recherche de Thagaste, patrie de Sant Augustin". In FUX, Pierre-Yves (org), Augustinus Afer: Saint Augustin, africanité et universalité. Éditions universitaires Fribourg Suisse, 2003, p.418
↑ a b c d e f g h i j k AGOSTINHO DE HIPONA. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina; “Vida e obra” por José Américo Motta Pessanha. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 416 p. (Coleção Os Pensadores). Original em latim.ISBN 85-13-00848-6.
 No Livro VI das Confissões, Agostinho escreve que a razão da separação teria sido a perspectiva de um casamento arranjado. "Sendo arrancada do meu lado, como impedimento para o matrimônio, aquela com quem partilhava o leito, o meu coração, onde ela estava presa, rasgou-se, feriu-se, escorria sangue. Retirara-se ela para a África, fazendo votos de jamais conviver com outro homem e deixando-me o filho natural que dela tivera." Confissões VI, parte III, 15. "Cativo do prazer". Santo Agostinho. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Assim, diante da insistência da mãe para que ele se casasse, Agostinho teria afinal repudiado sua mulher, fazendo-a voltar para a África, mantendo o filho Adeodato com ele. O nome da mãe de Adeodato não é mencionado em nenhum texto.
↑ a b Besen, José Artulino. Agostinho e os Pais do Ocidente. Página visitada em 21 de maio de 2009.
 Lucena, Elisa. O problema do mal em Agostinho. Página visitada em 9 de maio de 2009.
 Moraes Neto, Felipe José de; Simões, Adelson Cheibel. O livre-arbítrio e a relação com o Criador, no Livro III, da obra O Livre-Arbítrio de Santo Agostinho. Página visitada em 9 de maio de 2009.
 Confissões XI; X, XII
Este artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em espanhol, cujo título é «Agustín de Hipona», especificamente desta versão.

Bibliografia

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